A expansão dos vetores da Doença de Chagas para novas regiões da Amazônia, antes consideradas de baixo risco, pode se tornar realidade nas próximas décadas, como consequência direta das mudanças climáticas. A conclusão é de um artigo científico publicado na revista Medical and Veterinary Entomology, que contou com a participação do Instituto Evandro Chagas (IEC) e de outras instituições de pesquisa do Brasil e do exterior.
O estudo analisou 11.647 registros únicos – recuperados em outros artigos e boletins – de ocorrência de 55 espécies de triatomíneos, conhecidos como barbeiros, em todo o Brasil, avaliando como as mudanças climáticas podem impactar a distribuição potencial desses insetos em uma escala espacial sem precedentes. Para prever como esses vetores podem se deslocar futuramente, os cientistas utilizaram a modelagem de nicho ecológico, técnica que cruza dados de ocorrência com variáveis ambientais como clima, vegetação e relevo. Além disso, utilizaram um banco de dados com mais de 27 mil registros, incluindo 9.359 registros compartilhados pelo IEC, coletados desde a década de 1950 na região amazônica.
“A contribuição do IEC foi essencial para compor o banco de dados e para a validação dos modelos de deslocamento dos vetores elaborados por outros pesquisadores”, explica Walter Souza Santos, pesquisador da Seção de Parasitologia (SEPAR) do Instituto.
As projeções feitas indicam que até 2080 pode haver uma significativa alteração na distribuição dos barbeiros, especialmente em áreas do chamado “arco do desmatamento”, que tende a se tornar mais propício ao estabelecimento desses vetores. O arco do desmatamento é uma região da Amazônia com alta concentração de desmatamento, resultado da expansão da agropecuária. Ele se estende por partes dos estados do Pará, Mato Grosso, Rondônia e Acre.
Segundo Walter Santos, “as mudanças climáticas são fortemente influenciadas pelo desmatamento, que favorece o crescimento de palmeiras — habitats preferenciais de algumas espécies de barbeiros — e, aliado ao aumento da temperatura, acelera o desenvolvimento das colônias”. Ele acrescenta que, nessas condições, os barbeiros têm mais chances de entrar em contato com populações humanas, elevando o risco de transmissão do Trypanosoma cruzi, agente causador da doença.
Para o pesquisador, o momento exige ação integrada e estratégica: “Agora é o momento de reunir os gestores em saúde pública das diferentes esferas com os pesquisadores especialistas e, com base nas informações geradas, identificar as áreas mais vulneráveis. A ideia é planejar ações de vigilância e desenvolver estratégias ambientais que possam mitigar o risco de transmissão da doença”, afirma Santos.
Além do IEC, o artigo é assinado por cientistas da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) e da Universidade de Bristol, no Reino Unido. O estudo integra duas importantes redes de pesquisa: o INCT-SinBiAm (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – Síntese em Biodiversidade Amazônica) e o PPBio Amazônia Oriental (Programa de Pesquisa em Biodiversidade), que têm fortalecido a produção científica em saúde pública e biodiversidade na região.
O artigo está disponível em acesso aberto pelo link: https://doi.org/10.1111/mve.12810 (GovBR)